Maria (imperfeita)
Estive internada durante alguns meses no serviço de Oftalmologia do Hospital de Universidade de Coimbra e quando tive alta vinha diferente, vinha cega do olho direito. Ficava muito triste ao olhar-me ao espelho, além de não ter visão do olho direito, tinha um olho muito feio, que causava impacto e estranheza nas outras pessoas. Sentia-me diferente. Imperfeita.
A adolescência foi um período difícil; era tímida, não tinha iniciativa para falar com os novos colegas de escola, tinha muito medo da rejeição, de não ser aceite, de ser gozada pelos outros e de não pertencer a nenhum grupo.
O tempo, a família e os amigos foram ajudando a minimizar os danos, mas não me sentia confortável – tinha um olho diferente. Mas aos poucos fui percebendo que poderia fazer as mesmas coisas que os meus colegas, podia tirar a carta, podia ser enfermeira, podia casar e ter filhos. E ter sonhos. E realizá-los.
Já enfermeira e a trabalhar em Lisboa encontrei um médico que me operou o olho, colocou-o no sítio certo e deu-lhe alguma cor. O olho não ficou igual ao esquerdo, mas ficou muito parecido. Já não me sentia diferente. Recuperei a autoestima.
Assim, 30 anos depois, achei que era altura de fechar este capítulo, sarar esta ferida. Escrevi a história “Maria (imperfeita)” a pensar em mim, mas também em todas as crianças que têm de passar muito tempo internadas, longe da família, longe de casa e dos amigos, e também em todos os pais que (não sendo culpados) se sentem culpados por não terem conseguido proteger os seus filhos da dor.
Para me ajudar a contar a história, pedi à Júlia Calejo (que tem umas mãos de fada) para fazer uma boneca: a Maria Perfeita; a Maria vai andar comigo pelas escolas a contar esta história às crianças, a falar-lhes da diferença, da imperfeição e da concretização de sonhos.
Espero que gostem tanto desta história quanto eu.
Muito obrigada.